29 de jan. de 2016

Rute, a companheira

Sou RUTE. Meu nome no hebraico significa "companheira". Isso já seria um bom depoimento sobre mim. Alguns acreditam que o significado do seu nome pode influenciar no seu caráter, na personalidade, na sua identidade. Pode até ser que de certa maneira isso aconteça, pois minha sogra diante das tragédias que viveu desejou mudar seu nome. No entanto, eu aprendi que diante das circunstâncias da vida temos que tomar decisão. Fazer escolhas. Que caminho seguir? Há sempre um bom caminho a trilhar, o caminho que nos fará florescer e frutificar, e precisamos aprender a reconhecê-lo e escolhê-lo. Com a(s) escolha(s) feita(s) damos algo ao mundo que só quem soube escolher, poderia conceber. Nossa! Isso mesmo: A vida nos traz lições a serem aprendidas de tal maneira que vamos amadurecendo e deixando boas lições , por gerações.


Eu fui introduzida na história de Israel por ser esposa de Malon, um israelita, que veio para Moabe com toda sua família. Quando me casei, minha sogra era viúva, mas vivíamos felizes. Até que a situação ficou deveras difícil pois agora, éramos três mulheres viúvas em casa. Eu e Orfa, jovens, voltaríamos para casa dos nossos pais e nos casaríamos novamente. Resolvido! Mas, e Noemi?! Viúva e idosa, sem um homem que cuidasse dela, e sem recursos próprios estaria na miséria. Imagine a via crucis: Viúva, velha, amargurada, sem marido, sem filhos, sem netos, com duas noras viúvas e ainda por cima Moabitas! Mas, decidimos voltar com ela para Belém. Minha sogra, buscava nosso bem. Era conscienciosa e abençoadora. Eu me compadecia dela. Ela insistia que a deixássemos. Então, Orfa voltou. Eu não! Noemi insistiu para que eu a deixasse, pois nada tinha a me oferecer, mas eu escolhi viver com ela. Eu escolhi o povo dela. Eu escolhi o Deus dela. Tinha Noemi como uma mãe. Onde ela fosse e vivesse ou morresse, era ali que eu queria viver e ser sepultada. Diante do meu voto solene continuamos a viagem e chegamos ao inóspito Belém. E sendo moabita, não poderia pertencer a comunidade de Israel até a 10ª. geração. Estava perdida! Mas, disposta a compartilhar as durezas da vida diária de mulher estrangeira e viúva na terra de Israel, para honrar minha sogra idosa, viúva e temente a Deus. A providência divina me levou a rebuscar do início ao fim da sega das cevadas, nos campos deste parente distante, Boaz. Deus o fez notar minha presença, não só por ser estrangeira, mas pela história de amor por minha sogra. Boaz reconheceu minha condição desfavorável e orou para que Deus me abençoasse e me recompensasse. E deu ordens para que eu colhesse e debulhasse juntamente com suas servas. Quanta alegria!! Diante da miséria, alcançamos misericórdia nos Campos de Boaz. E Noemi, sendo boa conselheira, me orientou de forma que pudéssemos despertar o interesse de Boaz em resolver nossa situação, sendo nosso Remidor. Mas, Boaz era velho! Será que não havia alguém mais jovem para nos remir?! No entanto, a ideia de preservar a família de Noemi, de sua extinção, me fez escolher ser obediente a minha sogra. E Boaz, adquirindo a condição de remidor, casou-se comigo. Eu que era estrangeira, recebi um nome. Fui aceita na comunidade israelita como mulher virtuosa. O Senhor me concedeu um filho e uma nova família. Noemi me ajudou na criação de Obede. E gerei os descendentes do Rei Davi e do próprio Messias. As escolhas que fiz mudaram minha vida. Saiba que para escolher necessitamos de parâmetro. E o parâmetro que usei foi escolher viver o que Noemi ensinara: Deus abençoa a todos que se mantém obedientes à Ele e entendem sua missão na terra. Eu sou sujeita a paixões, como vós. Fiz escolhas diante de Deus e deu certo. E você?

Texto de Raquel Soares.

27 de jan. de 2016

Sara - experiência de vida

Bom dia, gostaria de me apresentar. Meu nome é Sara. Na verdade, o meu nome de batismo é Sarai. Hoje me chamo Sara e dizem que o meu nome significa princesa.
Quero deixar bem claro que não foi numerologia e nem vontade própria essa mudança. Foi o próprio Deus que mudou o meu nome durante uma aliança que fez com o meu esposo Abraão. Que também não se chamava Abraão era Abrão.
Eu sei que parecerá confuso, mas tentarei contar um pouco da minha trajetória de vida, e sobre algo, na verdade um milagre, que aconteceu na minha vida.
          Desde pequena sempre desejei ter uma família com muitos filhos. Sonho de toda jovem! Na minha mente já tinha o nome de cada um e conseguia visualizar os seus rostinhos. Porém, o (especificar rosto, sonho ou nome) do meu futuro marido era sempre um mistério!
Meu pai, Tera, tinha muitas mulheres. Era tradição! Gostassem ou não, as mulheres tinham que aceitar essa situação. O relacionamento era agradável. Todos morávamos perto e crescíamos juntos.
          Fui crescendo e o patinho feio começou a se transformar em um belo cisne.
Comecei a perceber alguns olhares e meu pai também! Rapidamente, papai juntamente com a minha mãe começaram a procurar pretendentes para mim. As propostas começaram a chover. Meu pai sabiamente, me casou com um dos seus filhos.
Como eu disse anteriormente o nome dele era Abrão! Um homem carinhoso, perspicaz nos negócios e principalmente temente a Deus.
Nossa! Estava realizada. Meus sonhos iriam se concretizar. Tinha um marido, uma casa e não demoraria muito para ser mãe.
Mas logo no começo do meu casamento o meu sogro/pai. Abrindo um parênteses, meu pai tinha filhos com a minha mãe e com a mãe de Abrão. Entenderam?
          Meu sogro/pai decidiu viajar e nós fomos com ele. E nessa viagem ele faleceu.
Agora só tinha Abrão por mim!


Acho que Abrão gostou da ideia e também se tornou um viajante .Eu ficava bastante chateada, pois não tínhamos paradeiro. E o pior de tudo era que eu ainda ficava com a organização e o encaixotamento das nossas coisas.
O que eu não sabia era que essas viagens eram direcionadas por Deus. Sempre soube que Abrão era um servo fiel. Mas que Deus falava com ele direto- nunca! Mas depois de tantos aborrecimentos, ele me contou sobre o seu relacionamento com Deus. Parei de reclamar e fazia tudo que Abrão mandava.
A minha beleza às vezes incomodava algumas mulheres e atraia os olhares de alguns homens. Abrão sempre observava e me sinalizava. Mas eu, despreocupadamente, continuava a me cuidar com os produtos que tinha em mãos- leite, flores etc.
 Por duas situações o meu marido precisou mentir dizendo que eu era irmã dele.
Quando ele me pediu para mentir a primeira vez me senti tão desvalorizada e sem nenhuma importância na vida dele!
Mas o que eu poderia fazer? Nessas horas vinha o pensamento que ele fazia isso porque eu era estéril. Não tinha dado nenhum filho a ele! E com certeza não iria engravidar de ninguém. Deus tinha fechado a minha madre! Era o que eu mais ouvia o pessoal cochichando.
Mas Deus sempre conversava com Abrão. Em um desses momentos foi quando os nossos nomes foram mudados. E a estória que Abrão, isto é, agora se chamando Abraão me contou é que ele seria um pai de uma grande nação.
Fiquei pensando, ele pode até ser um pai de uma grande nação. Agora eu ser a mãe dessa nação. Seria missão impossível!
Na minha juventude tomei todos os chás e segui todas as orientações das senhoras do meu povoado para que eu pudesse engravidar. E nada!
Eu já estava envelhecendo, mas ainda era uma coroa enxuta! Se quando nova, com todos os hormônios em pleno funcionamento eu não engravidei, imagine agora na menopausa.
Foi aí que tive a infeliz ideia de oferecer uma das minhas concubinas para o meu marido. No começo ele veio fazendo charme dizendo que não precisava, mas prontamente aceitou. Não pensou duas vezes!
Tudo aquilo era a morte para mim! Eu achava que estava pagando por algum pecado. Eu nunca tinha resposta de Deus. Ele só falava com Abraão.
Logo Agar engravidou. Que felicidade! Só para ela e para Abraão. Imagina eu convivendo com tudo isso. Vendo a barriga dela crescer, os preparativos para o nascimento.Nossa, virei uma excelente atriz nesse período! Interpretei a pessoa mais solícita e abnegada daquele lugar.
Mas Abraão me conhecia. Brigávamos várias vezes. Ele dizia que eu tinha inventado aquilo e eu o acusava de ter gostado da situação.
Nesse período quis até que Agar morresse. Mas graças a Deus isso não aconteceu. Já pensou no meu remorso?!
Nasceu! Homem! Ismael. Parabéns Abraão, você será o pai de uma grande nação – dizia eu.
Durante esse  tempo, não sei se por preocupação ou por pena, Abraão tinha escondido uma parte da promessa que Deus fez a ele. “ Que eu seria mãe”.
Eu acho que Abraão também não acreditava nessa parte. Tanto que ele riu.
O tempo continuava a passar. Ismael crescendo e eu envelhecendo. No fundo do meu coração, já não imaginava ser mãe. Nem por adoção! Imagine em engravidar. Nunca!
Durante bastante tempo ouvíamos falar de confusões em outras localidades próximas, mas nada nos atingia. Continuávamos ricos!
Havia muito tempo que não víamos Ló. Nesse período o meu marido recebeu três homens muito distintos que falavam sobre a cidade onde o nosso sobrinho morava. Eu não os conhecia, mas parecia que Abraão sim, porque logo se prostou. Para mim, como sempre, sobrou a preparação de um banquete de última hora.
Fiquei olhando e escutando atrás da tenda e no meio de tantas conversas ouvi um dos homens dizendo para Abraão que a mulher dele iria engravidar. Eu comecei a rir baixinho e pensei: Eles devem ter visto uma das concubinas , que são jovens. E falaram: “ Olha, Abraão a sua mulher irá te dar um filho”.
Não conseguia parar de rir. Só que para o meu desespero, o homem ouviu. Na verdade, eu acho que ele sentiu a minha tristeza e vergonha. Repreendeu a mim e a Abraão dizendo-nos que voltaria para ver o nosso filho.
Até hoje não entendo. Eu engravidei. Eu tive um filho! Um homem: Isaque.
As pessoas falavam que eu rejuvenesci. Eu acho porque não parava de rir.
Todas as lutas, os choros, noites sem dormir foram transformadas em bonança e em calmaria.
Eu e Abraão continuamos nos amando muito. Somos muito agradecidos pelo cumprimento da promessa.
A minha história segue por mais 37 anos aproximadamente. Mas o que eu gostaria de deixar registrado é que Deus nunca falha, a Sua promessa é certa.
O choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã. A minha noite foi longa, mas a felicidade da minha manhã supera tudo.

Eu amo esse Deus!

Texto produzido por Patricia da Silva de Paula

26 de jan. de 2016

Referência

Precisamos de referência.
Aprendemos imitando. Grande parte do que aprendemos é por imitação.
Como você aprendeu a amarrar o cadarço do tênis? Ainda não aprendeu?
Como você aprendeu a escovar os dentes?
A gente aprende olhando e repetindo. Repetindo e olhando, e olhando, e olhando mais uma vez.
Antes de fazer ditado a gente copiava, copiava e copiava.
Nos esportes isso fica ainda mais claro.
LeBlon James era fã e tentava copiar Michael Jordan. Os Bleatles era uma banda cover. Grandes pintores aprendem copiando obras primas.

Este início de ano perdi algumas das referências de minha adolescência.
Sebastião Rezende, Sr Isaltino Gomes Coelho e ontem, D. Dejanira Guerra.
Gente que marcou um período muito bom de minha vida.



O primeiro um homem que sofreu uma mudança radical. Acompanhei sua mudança. Assumiu a fé e tinha uma fome desenfreada de aprender. O 'cara' transpirava vida. Gente boa. Boa de conviver e que várias vezes perguntava. Pouco importava se era 'grande', porque raramente os adultos da igreja conversavam. Tião, como era chamado, não tinha vergonha de perguntar. Mesmo à um 'moleque' de igreja. Profissionalmente era, o que hoje se chama de empreendedor. Fazia de tudo, como ele dizia para sustentar 'os moleques'. Um homem apaixonado pela família e isso transbordava em seu exercício de fé.



O segundo, Sr Isaltino, era mais contido. Conversava baixo e, pausadamente, de forma extremamente educada trançava conceitos filosóficos, eclesiásticos e tecnológicos. Raramente o via na igreja. Conversava com ele em sua casa porque sou amigo de seu filho Isaías, hoje pastor em Brasília. Sempre saía daquelas conversas pensando sobre a razão, a coerência entre as Escritos e a prática litúrgica de nossa  fé. "A fé deve valer para quando você está sozinho', ele dizia. Ano passado estive em sua casa e, infelizmente, não conversamos. Ele estava inerte e já não reconhecia ninguém, além dos filhos e da esposa. Ainda estou impactado com a visão desse gigante numa cama.



A terceira pessoa... essa era um doce de criatura. Dona Dejanira me acolhia como a um de seus filhos. Eu me achava especial perto dela. Depois, com a convivência, fui percebendo que ela fazia o mesmo com as outras pessoas. Nunca a vi dirigindo um culto. Nunca a vi fazendo solo, ou mesmo uma leitura bíblica. A voz dela deveria ser 'investigada' no meio do coral, ainda que fosse um contralto seguro e afinadíssimo. Educada e extremamente sábia mesmo com pouca escolarização (Escolarização não é educação!). Dona Dejanira era crente. O Evangelho seria outro se o mundo tivesse mais Dejaniras. Quando passei por dificuldades na saúde, e não foram poucas, ela sempre dizia: filho, estou orando por você. E isso nunca me pareceu discurso pronto. Ela orava mesmo. Quase não se ouvia sua voz, mas sua vida foi um grito de fé.

Referências.
Gente que não está mais aqui.
Gente que, como diz as Escrituras, 'o mundo não é digno' (Hb 11.38)
Foi aí que parei pra pensar: há quanto tempo não via o irmão Sebastião? E o Isaltino? E a Dona Dejanira Guerra? Tomei consciência de que não os via há muito, muito tempo. Não os via mas eles estavam aqui dentro de mim, tão perto, tão reais, tão atuais. Catando recordação os encontro muito vivos em minhas referências.
A gente começa admirando, imitando e, quando dá conta... vira referência.
Minha oração:
Senhor, por favor, me ajude! Me ajude a entender que ainda que não queira, sou referência.
Senhor, por favor, oriente! Ensina-me Senhor a fazer escolhas e assumir posturas afinadas contigo. Não quero ser referência negativa, não quero envergonhar seu nome.
Senhor, por favor, me sustente! Me sustente porque só a tua graça. Sem ela não dou conta.


Porque Deus não é injusto para se esquecer da vossa obra, e do trabalho do amor que para com o seu nome mostrastes,
enquanto servistes aos santos; e ainda servis.
Mas desejamos que cada um de vós mostre o mesmo cuidado até ao fim,
para completa certeza da esperança;
Para que vos não façais negligentes,
mas sejais imitadores dos que pela fé e paciência herdam as promessas.


19 de jan. de 2016

Na Primeira Pessoa - Noé (parte 5) final

Tudo estava perfeito. Olhava para trás, pensava na vida e relaxava. Era muita realização. A satisfação alimentava minha história e consolava minha velhice. Minha família reunida, os filhos dos meus filhos integrados no mesmo propósito, o mundo sendo reconstruído a partir de meu temor ao Senhor. Eu plantava e colhia. Eu dominava as aves, os répteis e os grandes animais também. Elaborávamos projetos pra lá de interessantes. Como já estava avançado em idade mergulhei na pesquisa. Inventava combinações, descobria alimentos curiosíssimos. Inventava molhos deliciosos. Num daqueles dias de colheita, estava com o cesto carregado e, para não deixar um cacho de uvas cair, estiquei a mão. No reflexo amassei o fruto. Confesso que fiquei triste por ter desperdiçado um pouco da colheita. Aproveitei, porque ninguém é de ferro, provei a gota que escorria na minha mão. Não sei porque aquele movimento tão natural, de lamber o sumo da fruta, me intrigou e estimulou. Resolvi pesquisar.
Desenvolvi e anotei este processo: Colher o fruto. Amassar a fruta, agora em maior quantidade e recolher o suco que ainda estava muito espesso num tonel de madeira. Este trabalho cansava tanto que deixei para o dia seguinte. Voltei e quando provei um pouquinho, percebi que ainda estava muito grosso. Tinha que pensar numa forma de separar o suco do bagaço. Pensei e no outro dia, com um tipo de rede bem trançada, filtrei e separei o bagaço que chamei de mosto. Provei um pouquinho, ainda estava muito forte. Ainda mais um dia até eu perceber que ainda havia casca da uva e ela havia subido. No quinto dia, coloquei mais água e filtrei agora com um pano bem limpo dentro de um recipiente com tampa. Nem me lembro porque, mas deixei o experimento de lado. Quando voltei dias depois, achei que tinha perdido o processo. Filtrei novamente o suco e ao provar me surpreendi com o sabor incomum que havia conseguido. Fui para tenda com um bocado daquele líquido e revi todo processo que havia anotado. Lia e bebia. Bebia e lia. Bebia, bebia e não conseguia parar de beber. A bebida era divina! É o fruto da vide, da vinha, por isso, mais tarde tornou-se o famoso vinho.


Bem que gostaria de terminar esse testemunho por aqui mas, infelizmente, tenho que dizer que o resultado dessa bebedeira fez com que eu perdesse completamente o controle. Nem me pergunte como aconteceu. Só descobri o que houve no dia seguinte, debaixo de uma dor de cabeça nunca antes vivida. Descobri, na verdade, sob testemunho de meus filhos que eu cheguei a ficar completamente nu, jogado dentro de minha tenda. O que aconteceu foi o seguinte: meu filho Cam, pai de Canaã, me viu naquele estado e se divertiu tanto que resolveu compartilhar com seus irmãos. Ainda bem que Sem e Jafé tiveram compaixão de mim e evitaram dano maior me compondo e retirando o líquido de perto.
A verdade é que ninguém cai se estiver sentado, ou pelo menos, muito flexível e alerta. Eu achava que estava no topo do mundo. Todos os seres humanos só se lembrariam de Noé, eu pensava. Até Adão ficaria esquecido. A história começaria com o meu nome e com o meu relacionamento com Deus. Cuidado! Todos os grandes danos começam da presunção. O orgulho precede a destruição. Antes da queda normalmente o coração se envaidece. Você deve estar pensando: Que forma dura de aprender! É verdade. Eu poderia passar sem essa, mas fazer o que, não é? Quem te disse que um homem de grandes feitos acerta sempre? Tome cuidado com suas grandes vitórias e fique com os pés no chão. Nunca perca de vista sua humanidade. Infelizmente acabei manchando a minha invenção mais extraordinária com o meu comportamento. Imagine o que seria de mim, qual seria a minha fama se eu tivesse me comportado?
Deus sempre faz tudo bem. Quanto a mim...sou Noé. O resto deixa pra lá!

18 de jan. de 2016

Na Primeira Pessoa - Noé (parte 4)

Saímos da arca.
Um passo de cada vez, olhando para todos os lados, saímos.
O mundo é lindo! Era como voltar o tempo, era como um sonho, era como voltar ao primeiro jardim.
E o Senhor caprichou! Tudo estava lindo 'naquela nova casa"!
Não demorou muito e, em silêncio, fui recolhendo pedras e reunindo. Minha esposa, meus filhos e noras fizeram o mesmo. Ali construímos um altar. A arca no alto do monte, o barulho da cachoeira, o cheiro bom de mato molhado... nem sei direito quem começou, mas começamos a cantar:
"Senhor meu Deus, quando eu maravilhado,
Fico a pensar nas obras de Tuas mãos
O céu azul de estrelas pontilhado,
O seu poder mostrando a criação
Então minh'alma canta a Ti, Senhor:
Quão Grande és Tu.
Quão Grande és Tu..."

Nosso primeiro ato não poderia ser outro. Queríamos que agradecer. Agradecer pelo que passou. agradecer pelo que estávamos vivendo e agradecer pelo que começaríamos a fazer. Me senti o novo Adão. Minha família ali e aquela imensa responsabilidade de construir um novo jeito de ser gente.
Sei que vida é feita de ciclos. A natureza é regida por este instrumento. Foi o próprio Deus, o criador, quem prometeu que 'enquanto a terra durar, sementeira e sega, e frio e calor, e verão e inverno, e dia e noite, não cessarão." E continuou, 'dominem sobre tudo, comam de tudo só não bebam sangue'. Sangue é vida! Não derrame sangue. Quem derramar sangue verá seu próprio sangue derramado. Vou fazer um acordo como vocês, disse o soberano. E, num instante o céu revelou um arco multicolorido de uma beleza extraordinária.



Como você acha que passamos aquela noite?
Ali pertinho da cachoeira havia um gruta. Fomos para lá e eu fiquei olhando o céu apinhado de estrelas. Quase que automaticamente voltei a pensar no meu bisavô, Enoque. Enoque andou com Deus, e o Senhor o tomou para si". Lembrei do vô contando a história. Quando a gente é velho as memórias mais fortes são as que repetimos, repetimos, repetimos tantas vezes que parecem que sempre estiveram marcadas lá no fundo do coração.
Dei um sorrisinho de canto de boca e pensei:
Enoque andou com Deus mas eu, eu naveguei com o Senhor.
Sei que não fiz nada para merecer mas Ele se lembrou de mim e de minha família. Vou repetir esta história todos os dias. A arca vai ficar lá no Ararate - lugar sagrado é seu significado. Vou construir uma casa. Vamos estabelecer uma população que teme ao Senhor. Será um paraíso de verdade. Um lugar sem violência, sem desrespeito, sem falcatruas... um lugar de gente que teme e obedece ao Senhor.
-Vem dormir 'home'! Ouvi do fundo da caverna.
E foi ali, naquela noite, que percebi o significado do meu nome. Noé. Noé é descanso, é repouso.
Obrigado Senhor!

"Não tenhas sobre ti um só cuidado, qualquer que seja
Poi um, somente um, seria muito para ti.
É meu, somente meu todo trabalho
E teu trabalho é descansar em mim"

https://www.youtube.com/watch?v=4_7bAF8Je-c&index=21&list=RDQgqAervfz-c

16 de jan. de 2016

Na Primeira Pessoa - Noé (parte 3)


Muito dias na arca. Muitas tardes na arca. Muitas noites na arca. Quase um ano dentro daquele caixote. Oito pessoas e um 'zoológico inteiro' dentro daquele grande barco.
Quando a chuva parou parecia o começo do fim. Silêncio. Imenso silêncio lá fora da arca. O cheiro se intensificou com o calor do sol e, por mais que reclamássemos, não adiantava. Acho que acostumamos até com aquele cheiro... Tudo era monótono, tudo igual té que a arca parou. Não havia mais o sacolejo das ondas. Não havia mais a batida da água no casco do grande 'caixote' e a gritaria dos bichos depois de cada onda. Nós sabíamos que agora é uma questão de tempo. Mas, quanto tempo?
E a curiosidade, do que tinha ficado lá fora? Que realidade encontraríamos? Eram tantas questões, tantas perguntas, tantas dúvidas... Este foi o momento de maior expectativa.
Eu subia todos os dias para a parte mais alta da arca, pela manhã bem cedo, quanto todos ainda estavam dormindo e também no final do dia. Ficava lá, em silêncio, esperando a voz divina. Quase um ano na mesma rotina e nada. Todos os dias, numa teimosia de fé, fazia a mesma coisa. Foi quando num desses dias subi e percebi que bem perto de mim, no final da tarde estava um dos corvos que tínhamos na arca. Como gritava aquela ave de penas pretas. Resolvi, quase num impulso, deixá-lo ir. Abri a janela da arca e soltei o bicho. Ele foi e voltou. Comecei a rir baixinho de minha arrogância. Soltei ou, no fundo, fiquei com raiva e joguei fora o corvo que gritava e me irritava? Quando ele voltou, peguei o bicho de volta, olhei bem para os olhos pretos dele, que só de perto poderia ser observado, e assim comecei a mudar o ritual das tardes de reflexão. Eu subia pela manhã sozinho para ficar em silêncio, esperando a voz divina e à tarde, soltava o corvo. O corvo acabou virando meu companheiro. Foram vários dias nessa rotina. Soltava o bicho e ele voltava. Ele ia e voltava, ia e voltava. Logo comecei a observar que o tempo de voo estava se modificando. Numa manhã subi e, desta vez fiz diferente. Levei comigo uma pomba. Olhei o corvo mas resolvi mudar. Soltei a ave branca e ela demorou tanto quanto o último corvo, e voltou. Decidi esperar uma semana sem corvo e sem pomba. Tentei entender o que se passou. Depois desses sete dias, repeti a experiência com a pomba. Soltei a ave logo cedo e ela não retornou logo. Fique preocupado mas, quando minha esposa chamou para tomarmos café da manhã, deixei a janela aberta e fui cuidar das outras tarefas. Quando subi novamente, no final da tarde, lá estava a pomba entrando pela janela, naquele instante, com um ramo de oliveira em seu bico. Desci no mesmo instante gritando, com a pomba presa nas mãos e mostrando para todos a pomba e o ramo de oliveira que ela trazia no bico. Nos reunimos, refletimos e discutimos o que fazer. Sugeri que esperássemos mais uma semana para soltarmos a pomba novamente. Assim combinamos, assim fizemos. Soltamos juntos a pomba ainda pela manhã e à tarde subimos para aguardar o retorno do pássaro. A pomba não voltou. Frustração total. Sem pomba, sem sinal. Pedi para ficar mais um tempo sozinho e, por incrível que pareça, Deus falou:

Sai da arca, tu com tua mulher, e teus filhos e as mulheres de teus filhos.

Todo o animal que está contigo, de toda a carne, de ave, e de gado, e de todo o réptil que se arrasta sobre a terra, traze fora contigo; e povoem abundantemente a terra e frutifiquem, e se multipliquem sobre a terra. (Gn 8.16 e 17)

Eles somos nós


A Bíblia é o registro da revelação divina. Sendo assim, os episódios, os dramas e também os personagens servem como 'pano de fundo' para revelar o caráter divino. 
A Bíblia não é um livro de biografias, nem hagiografia (descrição de uma vida de virtudes heroicas). As Escrituras não estão interessadas em entretenimento ou 'fofocas espiritualizadas'. O que temos é registro da Revelação de Deus. As histórias, os personagens mostram um Deus que se relaciona, se preocupa, se envolve e deseja travar parceria com a criatura mais parecida com Ele mesmo. Um dos recursos que os autores bíblicos utilizam é o chamado 'antropomorfismo' - colocar sentimentos e atitudes humanas em Deus. Esse recurso é muito útil para tentar entender Deus a partir do nosso ponto de vista.
Quando leio o drama de Abraão e a coragem de enfrentar uma mudança, quando vejo Noé e a maneira como encara o desafio e prepara a arca,  mesmo contra tudo que era visível (Hb 11). Aliás, vale a pena parar para ler o no capítulo dos heróis da fé, Hebreus onze. Lá o autor, depois da imensa lista, questiona; 'que direi mais? Esses dos quais o mundo não foi digno..."
Eles somos nós!
Os personagens são, como diz Tiago, gente sujeita às mesmas paixões que nós, ou seja, gente como a gente. Eles são exemplo positivo e, algumas vezes negativos, que devemos observar. A escolha sempre é responsabilidade nossa, mas gosto de pensar e preciso enfatizar que 'eles somos nós'.
Todos os que seguimos a Palavra, temos exemplos em nossa vida. Quem, quando pensa em vida cristã não tem uma referência humana? Isso ocorre em todas as áreas da vida. Escolhas necessitam de parâmetros.
No mundo das artes fica muito claro que todo artista começa imitando. Na realidade, começa selecionando o que e a quem imitar.

Vou terminar transcrevendo uma parte do livro 'Roube como um artista" de Austin Kleon:
"Copie seus heróis. Perceba onde você fica aquém. O que existe aí que o torna diferente? Isso é o que você deveria ampliar e transformar em seu próprio trabalho.
No fim das contas, a mera imitação de seus heróis não é homenagem. Transformar o trabalho deles em algo seu, sim, é homenageá-los. Dando algo ao mundo que só você poderia conceber"

Portanto nós também, pois que estamos rodeados de uma tão grande nuvem de testemunhas, deixemos todo o embaraço, e o pecado que tão de perto nos rodeia, e corramos com paciência a carreira que nos está proposta.
Hebreus 12.1

5 de jan. de 2016

Na Primeira Pessoa - Noé (parte 2)


Como havia dito, fui para casa e detalhei tudo, tudinho para a minha esposa e meus filhos. Antes que eles tivessem qualquer reação contrária, avisei logo que o plano divino alcançava também cada uma de minhas noras.
Daquele dia em diante trabalhamos, mas trabalhamos muito para cumprir tudo que o Criador havia mandado. A cada finalzinho do dia, quando a noite se aproximava, conferíamos o andamento da obra e ainda planejávamos juntos o dia seguinte. Cada um de nós tinha sua tarefa e, vez por outra, revezávamos para que o trabalho não parasse e nós continuássemos focados na tarefa. 
Quero confessar um fragmento de orgulho toda vez que lembro das palavras do Senhor:
...com você estabelecerei a minha aliança, e você entrará na arca com seus filhos, sua mulher e as mulheres de seus filhos (Gn 6.18). 
Como esquecer dessas palavras? Acordava a cada dia, sem nenhum sinal de chuva. E de que valia isso enquanto construíamos a arca? O que deu sentido e motivação a cada dia, a cada manhã, foi a promessa que o Senhor fez. Quando alguém pensava em desanimar eu dizia: Vamos! Coragem! Deus escolheu a nossa família! Deus escolheu você para reconstruir o mundo, eu repetia. Sabe de uma coisa, a gente enfrenta qualquer dificuldade quando tem convicção e fé. Você já deve ter pensado que a 'fama' de 'cabeça-dura' não ficou apenas comigo. Se pensou, acertou. Todos os nossos vizinhos começaram a nos chamar de loucos. Não entendiam nada do 'caixote'. Eles pensavam que estávamos construindo uma grande casa esquisita. De certa maneira, eles estavam certos. Era a casa que Deus havia planejado para nos preservar. Eu e minha família fizemos tudo exatamente como o Senhor havia ordenado.
Num desses momentos de avaliação, num fim de tarde, o Senhor apareceu novamente e disse:
"Entre na arca você e sua família!" 
Esta ordem era a 'senha' para conduzirmos os animais para dentro da grande caixa de madeira. Foram sete dias, já morando na arca, acomodando cada bicho em seu lugar, acostumando com a nova residência até que a chuva começou.
Chuva! Vou te dizer uma coisa e não é brincadeira não. Você não tem ideia do que é chuva. Água pra todos os lados. Aguá vindo do céu, água brotando da terra aos borbotões. Muita gritaria misturada com árvore quebrando, barro descendo, raios, trovões e muita chuva, muita chuva caindo.
Quarenta dias durou o Dilúvio sobre a terra, e as águas aumentaram e elevaram a arca acima da terra. As águas prevaleceram, aumentando muito sobre a terra, e a arca flutuava na superfície das águas. As águas dominavam cada vez mais a terra, e foram cobertas todas as altas montanhas debaixo do céu. As águas subiram até quase sete metros acima das montanhas.
Todos os seres vivos que se movem sobre a terra pereceram: aves, rebanhos domésticos, animais selvagens, todas as pequenas criaturas que povoam a terra e toda a humanidade. Tudo o que havia em terra seca e tinha nas narinas o fôlego de vida morreu.Todos os seres vivos foram exterminados da face da terra; tanto os homens, como os animais grandes, os animais pequenos que se movem rente ao chão e as aves do céu foram exterminados da terra. Só restaram Noé e aqueles que com ele estavam na arca. E as águas prevaleceram sobre a terra cento e cinqüenta dias. (Gn 7:17-24)
Você dorme e está chovendo, acorda e continua chovendo. De manhã chuva, à tarde mais chuva. Em alguns momentos achamos que não existia mundo e que tudo que havia sobrado era aquela arca. A arca era nosso mundo. E a arca estava cada vez menor. Mas houve um dia em que acordamos sem o barulho da chuva. Tudo que ouvíamos era o som das ondas batendo na arca. Dava para perceber as frestas dos raios solares dentro do 'caixote' e o balanço da arca.